Censura?

01/07/2012 20:00

 

"Censura implica em proibição. A proibição funda-se na lei, cujo modelo mais simplificado é a pena de talião. O ato de censura funda-se em considerações fluídas, difusas e circunstanciais. Ele pode incluir a proibição e a pena, e o castigo pode confundir-se com a proibição. A censura é ao mesmo tempo menos e mais do que a proibição. Se procurarmos a censura pura, encontramos a proibição, figura inconcebível no universo legal, pois a idéia de legalidade implica na defesa e sanção. Razão pela qual a censura não pode fundar-se numa legalidade, ela está na esfera do arbitrário, à margem da legalidade.

O ato de censura reveste-se de escândalo maior do que ele pretendia evitar, porque é na essência um ato escandaloso. É a legalidade no arbitrário. Especialmente porque a censura funciona mais no nível da ameaça do que no nível da proibição. Ela age na esfera do silêncio.a censura exercendo-se pela ameaça e pelo silêncio, mata o debate, aniquila a discussão.

Enquanto a esfera judicial pune crimes previstos por lei, com direito a defesa e recurso às instâncias, a censura desconhece o conceito e a existência de instâncias mediadoras. Enquanto o Direito Penal permite o debate, a censura só pode ser exercida ou abolida. Admití-la é exercê-la e aí caímos na autocensura.

O conceito de censura só pode ser apreendido pelo nível político e psicanalítico. Quando reprimimos pensamentos indesejáveis, estamos na esfera do intra-psíquico, da censura intra-psíquica.

No plano político, a censura, controlando o que deva ser ou não de “domínio público” ou ficar restrito à privacidade do censor e seus asseclas, é a burocracia utilizando o Estado, entidade pública como propriedade “privada”. O censor funciona como o agente de um processo de converter as questões significativas para a vida social em “tabus”, cuja violação implica em “castigo” ou “danação”. Um dos mecanismos de legitimação da prática da censura é operar tendo em vista o “bem do povo”. A censura, enquanto máquina burocrática, acaba existindo para o “bem” do censor, isto é, a instância onde o censor se realiza como “carreira”, nível de prestígio, nível de ortodoxia em relação às idéias não dominantes, todo o conjunto de pilantragens informais que constituem o “vencer na vida” em quadros burocráticos que existem para serem negados pelo “jeitinho”.

A censura atinge a todos; atinge o que escreve e o que lê. Enquanto na lei penal há todo cuidado em não atingir o culpado e a vítima, na área da censura não há culpados ou vítimas. Todos são culpados, exceção feita ao censor. Sua senhoria vê os “outros” (não-censores) como cúmplices em potencial dos “desvios”. A censura tem por efeito universalizar as culpabilidades latentes, daí o desenvolvimento de uma paranóia dominante.

A censura age como ponto terminal na retenção da livre-circulação das idéias. A existência da censura à informação prova por vias travessas que não há informação neutra. Caso existisse, a censura não teria razão de existência.

Toda censura é política, por ocupar determinado espaço e pelo seu papel no âmbito do Estado, onde cumpre uma das funções estatais, a função repressiva...

Maurício Tragtenberg: Cientista político e professor do Depto. de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.FONTE: Folha de S. Paulo(Tendências & Debates)08/12.p. 3.

Faz seis meses que a Dra. Maria Letícia Fagundes teve sua senha bloqueada e foi então impedida de acessar o programa idealizado por ela, (que possibilita ao IML Curitiba compilar dados sobre a violência na capital e região metropolitana). O propósito do texto é alertarmos, relembrarmos que a censura, esta dama intrusiva, que parecia relegada ao passado recente de nosso país, está infelizmente muito viva. Lamentável, que nestes novos tempos, onde o direito à informação é na verdade um sobredireito, esta decisão espúria impede que as mesmas cheguem aos cidadãos.

 

Veja a repercussão na mídia.

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